Chuvas são ótimas para um país que vive de energia hidrelétrica, como o nosso. E o futuro promete ser mais chuvoso ainda, por culpa do aquecimento global (coisa que vamos ver melhor nas próximas décadas). Então esse é um lado bom do acúmulo de gases-estufa na atmosfera?
Não. O último apagão provou que não é nada disso. Chuvas demais podem ser um problema tão grande para o sistema hidrelétrico quanto chuvas de menos. Até o fechamento desta edição, a hipótese mais provável para o apagão era uma pane causada pelo excesso das chuvas. Não nos reservatórios das usinas, mas sobre as torres de distribuição. Mais especificamente, no sistema que mantém os cabos de energia isolados das torres. Não fosse ele, ambos se tocariam e haveria curtos-circuitos o tempo todo. Os cabos, então, ficam protegidos por isoladores de cerâmica, que impedem esse contato. Mas a chuva e os ventos no estado de São Paulo podem ter danificado isoladores e feito algumas torres entrar em curto. Nisso, o sistema de distribuição ficou sobrecarregado, e um dispositivo de segurança pode ter cortado o fluxo de energia da rede toda para evitar que ele se queimasse inteiro. Aí veio um apagão.
A solução, aí, é melhorar a manutenção dos isoladores, para que eles aguentem bem as tempestades. O problema é que existem 90 mil quilômetros de fios e milhares de torres país afora para serem cuidadas. E, quanto mais chover, maior deve ser a frequência dessa manutenção. Como a tendência é de mais água mesmo, o jeito é redobrar os cuidados para não deixar meio país no escuro de novo. Mas a realidade não ajuda: hoje, 60% dos brasileiros, os clientes das 20 maiores companhias de energia do país, ficam mais tempo sem luz do que em 2004.
O motivo? Seria pitoresco se não fosse trágico: os caras que cuidam das redes ficam... Bom, espera um pouco. A gente conta essa história já, já. Agora é hora de lembrar outra coisa: a energia elétrica está esquentando o mundo. Mais de 60% da eletricidade do planeta vem da queima de carvão nas termelétricas, coisa que lota a atmosfera de CO2. E a construção de termelétricas só cresce. A China inaugura duas novas por semana. E, se continuarem nesse pé, os chineses vão produzir sozinhos a mesma quantidade de CO2 que o mundo todo lança na atmosfera hoje. Um futuro sufocante. E escaldante.
Para resolver isso, primeiro, precisaremos aceitar pôr a mão no bolso para colocar em prática algumas ideias que estão no papel e, pelo menos nele, parecem lindas. A mais básica é o investimento pesado em fontes renováveis para a produção de eletricidade. Sim, estamos falando daquelas coisas manjadas, mas ainda pouquíssimo exploradas, como usar a luz solar ou o poder dos ventos. É que uma coisa é fato: a quantidade total de energia disponível na Terra na forma de radiação proveniente do Sol ou mesmo dos fluxos de ar pela atmosfera seria capaz de, sozinha, abastecer a humanidade. Por que diabos isso ainda não decolou? A chave está na economia. Não adianta fazer uma belíssima usina solar se o custo dessa energia for muito maior que o da produzida pelo carvão.
Na hora em que o bolso aperta, todo mundo aposta no que é mais barato, não no que é mais legal ou sustentável.
E cada megawatt obtido com carvão custa metade do de uma usina solar. A diferença tende a diminuir com o tempo: já existem tecnologias experimentais que barateiam a produção de energia solar, e o carvão é um recurso não-renovável - existe muito hoje, mas uma hora acaba. Só que nem uma coisa nem outra deve virar realidade nas próximas décadas (ou séculos, se alguém esperar pelo fim do carvão). Então o jeito é melhorar o que temos agora. E aí entram em cena as "redes inteligentes" (smart grids). Trata-se de uma tecnologia em fase experimental, que promete uma revolução como a da internet na distribuição de energia. A ideia por trás dela é aumentar a produção e diminuir o desperdício. Hoje, mesmo quando você não consome a eletricidade, ela está sendo produzida. E acaba perdida. Isso é uma facada para as energias alternativas - como seus megawatts são caros, desperdiçá-los é suicídio. Mas as smart grids podem acabar com esse problema. O conceito por trás delas é permitir que os diversos pontos da rede conversem entre si, para que seja possível saber onde a energia está sobrando, e onde está faltando.
Isso elimina os desperdícios do sistema. Mais: as smart grids ajudam a descentralizar a produção de energia. Em vez de uma Itaipu da vida fazer todo o trabalho duro, com um sistema mais esperto até você pode ser produtor de eletricidade. Sim: você teria como instalar painéis solares em casa, ir para o trabalho e vender a energia que os painéis produzem durante o dia para a rede. É como se um prédio de escritórios fosse abastecido pelas microusinas no teto das casas de seus funcionários. Para completar, um sistema assim, menos centralizado em grandes usinas, torna os apagões mais raros. Essa revolução já está começando nos países desenvolvidos. É hora de estudar a idéia a sério por aqui, não?
Fonte: Planeta Sustentável
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